Será que falta marketing nos manuais de instalação ?

“Observar como o cliente se relaciona com o equipamento é tão importante quanto dedicar esforço e tempo na elaboração dos manuais.”

Existem histórias que acontecem nas assistências técnicas que dariam um livro fantástico, divertido e bastante instrutivo para os profissionais de marketinge de comunicação de todo o mundo. Algumas eu ouvi, outras eu vivi e posso afirmar que a comunicação ineficaz, incorreta e manuais complicados podem gerar histórias que circundam o trágico, o cômico e o espetacular do imaginário popular. Os fatos a seguir são um prato cheio para os humoristas de plantão, mas sob outro ponto de vista o assunto é muito sério.

“Brasileiro não lê manual”. Muitas pessoas não gostam dessa afirmação. Muitosmarketeiros geralmente a usam para culpar o consumidor pela displicência de não ler os manuais. O consumidor se vinga dizendo que os manuais são um “saco”, de texto difícil, geralmente muito técnicos e bastante volumosos. Dizem que depois de olhar o tamanho do manual e folheá-lo rapidamente o consumidor procura o número do 0800. Certifica-se do horário de funcionamento e só depois inicia o processo de instalação e operação do equipamento. Procuram por figuras, palavras e frases em negrito. Só depois iniciam o processo de dar ‘vida’ ao equipamento. Boa parte desses problemas não aconteceria se a indústria tivesse o cuidado de pedir ao cliente para avaliar o produto quanto a sua facilidade de manuseio, transporte e operação antes mesmo de iniciar sua comercialização. Observar como o clientese relaciona com o equipamento é tão importante quanto dedicar esforço e tempo na elaboração dos manuais. Um produto deve ser fácil de manusear e operar, além disso deve permitir o máximo de interatividade. O cliente não precisa aprender a consertar a máquina, precisa sim, saber como retirar dela todos os recursos pelos quais pagou.

Um caso interessante aconteceu há muitos anos num banco estatal. Certa funcionária havia adquirido um fusca zero quilômetro (na época um símbolo da melhor relação custo-benefício). O problema era que o fusca fazia 4 km por litro de gasolina e estava com o motor muito ‘acelerado’. Adquirido por ser símbolo de economia e durabilidade, o fusca estava longe de satisfazer a funcionária. Procurada, aoficina autorizada ficou impressionada com o problema. Ficou com o carro e depois entregou-o à funcionária. Uma semana depois ela volta com o mesmo problema. A oficina realiza o mesmo procedimento e mais uma semana depois o carro retorna. Intrigado e a beira de um ataque de nervos o mecânico pediu para a funcionária mostrar como dirigia seu fusca. Aos protestos, pois temia tornar-se mais uma vítima da sanha machista, resolveu atender ao pedido do mecânico. Tranquilo e extremamente concentrado o mecânico viu a funcionária sentar-se no banco do carro, balançar a marcha, colocar a chave na ignição e puxar o afogador do carro e pendurar a bolsa. Pasmo o mecânico gritou: “é isso, senhora. Achei o problema ! Este não é um lugar para pendurar a bolsa !” Espantada a funcionária disse: “Como não? Este desenho em forma de alça e com estas duas barrinhas vistas de cima, não é um porta-bolsas ?” “Não senhora. Este é o símbolo do afogador”.

Veja: a cliente não precisa necessariamente saber como o motor do carro funciona, precisa sim, saber como pode tirar proveito do investimento que fez. A funcionária existe, está aposentada e a história é absolutamente verdadeira e seria apenas uma piada machista de mau gosto se o vendedor tivesse feito o mínimo – mostrar como o carro funciona e para que servem todos os comandos. E o mais importante: “em caso de dúvida ligue para nós ou pesquise no manual”. Manual nenhum substitui uma boa explanação.

Outra situação parecida aconteceu com um homem, também num fusca zero quilômetro. O motor Volkswagen foi inventado na Segunda Guerra Mundial para rodar sem a necessidade de utilizar água. Só que ninguém informou ao cliente que o fusca não possuía radiador, portanto, não necessitava completar a água que refrigera o motor. Orgulhoso, seu Stênio

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saiu a passear com o carro. Quinze dias depoisparou para abastecer o veículo. Desceu orgulhoso e ordenou ao frentista: “complete o tanque e não esqueça de olhar o óleo e a água”.

Foi através do frentista e não do vendedor ou do manual que o seu Stênio

(*)

ficou sabendo que o fusca não possuía problemas de radiador, simplesmente porquê fusca não tem radiador.

Um produto só existe se for para solucionar um problema. As perfumarias ou o que chamamos de recursos são facilidades de operação, rotinas que ampliam a utilidade do equipamento.Esses recursos, também chamados de diferenciais, as vezes atrapalham mais do que ajudam. Se você sobreviveu a guerra dos controles remotos vai perceber que eles estão menores e com menos botões.

Quem teve videocassete com certeza deve lembrar do terror que era limpar as cabeças, programá-lo e até ligá-lo. Os manuais por mais explicativos que sejam estão longe de despertar o interesse e a compreensão do usuário. Até bem pouco tempo um foco de problemas e divergências entre fabricantes e consumidores eram a ‘queima’ das fontes de alimentação provocadas pelo esquecimento da verificação do chaveamento 110/220 volts. De tanta reclamação, alguém teve piedade do consumidor e os transformou em equipamentos bivolt. Cabeças sujas fizeram a festa das assistências técnicas e dos fabricantes de fitas de limpeza até que apareceram os videocassetes autolimpantes. De tudo aconteceu um pouco: fitas colocadas ao contrário, apagamentos acidentais, gravações que não aconteciam etc e tal. Tudo causado pelo desconhecimento do manual de operações.

Chegaram a era dos computadores e dos celulares e com eles todos os problemas referentes às novas tecnologias. Aparentemente, o único problema que a tecnologia ainda não conseguiu resolver foi a qualidade e a clareza dos manuais, verdadeiras ‘bíblias’ destinadas a salvar o mais desesperado usuário. O problema é que para entender o manual o cliente precisava fazer um ‘curso’ que o habilitava entre outras coisas a entender o que diziam as ‘parábolas eletrônicas’ da informática e das telecomunicações.

Hoje está muito mais fácil entender como um computador funciona e como usá-lo corretamente.Os recursos Plug and Play e “Faça Você Mesmo” permitem que qualquer um possa adicionar um hardware ou instalar um software. Mas lembro-me muito bem quando vi os primeiros chegarem na empresa. Era uma caixa grande com tela de fósforo verde e que operava com disquetes de tamanho próximo a um LP de vinil. Logo ganhou o apelido de R2 por sua semelhança com os robôs de ‘Guerra nas Estrelas’ e junto com eles chegaram os temíveis manuais. Vários e tão grandes que ocupavam armários inteiros. Não ouvi ninguém afirmar que os leu totalmente, nem mesmo parcialmente. Quando acontecia um problema chamavam a assistência técnica.

Uma vez um computador chegou a assistência técnica todo banhado de refrigerante. O cliente estava indignado. Quando descobriu-se a causa do problema foi a vez dos técnicos ficarem estupefatos com tamanha criatividade. Pensavam os técnicos que o cliente havia descuidado-se ederramado acidentalmente refrigerante no computador. Nada disso. No compartimento dedicado ao multimídia, CD- Rom, quando não era usado para ‘rodar’ os cd’s erautilizado pelo cliente como porta-copo. Simples e brilhante, não fosse o efeito devastador que provocou. No buraco que fica no meio da bandeja do CD-Rom o cliente descobriu que cabia um copo de plástico cheio de refrigerante. Ocorre que numa determinada hora o computador ativou um comando automático e a bandeja fechou com copo, refrigerante e tudo. Não precisa dizer que o refrigerante foi junto para dentro da máquina. Prejuízo: outro computador. Nem o HD se salvou.

Não existe um perfil sócio-econômico-cultural para estas tragicomédias da vida privada. O que existe é o descuido de alguns clientes aliado a ausência de uma orientação mais objetiva por parte de algumas empresas.

Outro caso interessante se deu por conta de um celular. Seu Miguel

(*)

comprou um aparelho celular para dar de presente a filha que estava estudando na capital. Habilitou o aparelho e saiu falando. Chegando em sua cidade percebeu que o celular parava de funcionar em determinados lugares. Incontinenti ligou para a empresa reclamando. O diálogo foi mais ou menos assim: “Minha filha, eu comprei um celular na sua empresa e o bicho não presta.” “O que está acontecendo, senhor ?” pergunta a solícita atendente. “Tem uma mensagem aqui que fica piscando de vez em quando dizendo que o celular ‘no service’… eu quero devolver, este bicho está quebrado !” A mocinha explicou que o problema era causado por falha no sinal e não do aparelho, mas muito tempo se perdeu até que seu Miguel, um homem de pouca instrução, entendesse. Novamente deixou-se para o 0800 e para a assistência técnica a solução para um problema que poderia ser resolvido com breves explicações após o fechamento da venda acompanhada da orientação de leitura do manual. Determinados avisos acabam virando piadas. O baiano é muito calmo e de tão calmo acham que é preguiçoso. Quem pensa assim está enganado. São trabalhadores e talentosos. Mas o bom humor do brasileiro não perdoa. Já ouvi dizer que até o celular de baiano é preguiçoso: “passa o tempo procurando rede”. Poxa! Poderiam pelo menos ter traduzido de outra forma… Talvez… ‘procurando conexão.”

Os pós-graduados também não escapam. Um belo dia um cliente compra um no-break. Chega em casa liga-o na tomada e nele conecta todos os cabos. Em seguida aciona a chave de partida do micro… Nada. O equipamento não funciona. Nada acende. Liga para o 0800 e reclama. A funcionária realiza a checagem das conexões e em dado momento pergunta se o insatisfeito senhor leu o manual. A resposta foi negativa. Segundo ele havia “apenas folheado”. A funcionária pediu gentilmente que pressionasse o botão vermelho no painel frontal. Foi feito e o equipamento funcionou. O cliente ficou completamente desconsertado, pediu desculpas e desligou. Quando soubemos da história pedimos para checar se a vendedora havia testado o equipamento na frente do cliente. A resposta foi negativa. Então fomos nós que ligamos e pedimos desculpas ao cliente pelo descuido da vendedora. Independente do manual ter sido lido se a vendedora tivesse pelo menos testado o equipamento na frente do cliente isso com certeza não teria acontecido. O pior é que isso é previsto no CDC-CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.

Por falar em CDC, certa vez fui trocar um Home theaterque havia apresentado defeito. O modelo que havia comprado, apesar de muito bom, mal tinha chegado, já havia saído de linha (esse é outro problema já abordado pelo Paulo Couto). Bom, como era um sábado e eu não resisto a um supermercado, decidi aprontar uma. Perguntei se tinha um CDC no balcão. Apresentaram-me um e eu peguei a parte que falasobre a troca de equipamentos. Comecei a questionar e mostrei a moça que eu poderia levar qualquer home teather, de qualquer marca, sem pagar a diferença. A moça disse que não era assim. Eu mostrei o CDC e disse a ela que dava margens a erros de interpretação. Pedi que ela analisasse isso com o gerente. Quarenta minutos mais tarde, depois de passar por várias pessoas descobriram um caixa que fazia Direito e este saiu do seu lugar e veio explicar. Quando terminou a explicação eu disse a ele que já sabia e agradeci a atenção e a qualidade do esclarecimento. Queria testar se tinham conhecimento do CDC. Disse-me ele que tiveram treinamento e que possuem assessoria jurídica. Imagina se não tivessem tido nem treinamento e nem assessoria jurídica. Aproveitei e dei um toque: “Dêem uma chance ao rapaz do caixa de lhes ensinar o que sabe sobre o CDC. Tirem ele do caixa e o coloquem aqui e ponham a assessoria jurídica de vocês no caixa. Talvez assim sejam mais úteis.” Não precisa dizer que muitos riram. Gozação à parte as coisas sempre parecem ser mais complicadas do que realmente são. Bastava terem feito um tira-dúvidas em linguagem acessível aos vendedores. Não fizeram.Bom… acabei levando um home theater pouco melhor e pagando a diferença. Um tempo depois encontrei o mesmo estudante de Direito e ele estava no lugar que havia recomendado. Tinha elaborado uma cartilha, simples e objetiva, que tratava os pontos polêmicos do CDC de forma realmente muito interessante. Que bom que alguém entendeu e decidiu facilitar a vida de clientes e vendedores.

Um fabricante de equipamento eletrônico preocupado com o crescente número de reclamações resultantes de quebra de botões liga-desliga e descarga de baterias, resolveu pesquisar e descobriu que o cliente não lia o manual, os vendedores não o informavam corretamente e o pior: não entendiam direito o que era o produto. Rapidamente a empresa aplicou treinamento para todos os vendedores. Aomesmo tempo implantou o 0800 e encomendou a área de projetos uma nova versão do equipamento com um sistema de proteção de baterias e um botão liga-desliga mais difícil de desligar com o pé. Resultado: oito meses depois as vendas dessa marca melhoraram e as queixas que representavam cerca de 2,5% dos 3% de reclamações de defeitos, caíram para menos de 1%. O próximo passo seria a reformulação dos manuais, mas dessa vez deverão ser elaborados ouvindo a opinião do cliente.

Nem mesmo quem produz comunicação fica de fora. Certa indústria de alimentos resolveu lançar um peru que avisava através do termômetro quando era hora de retirar a ave do forno. A embalagem continha todas as informações absolutamente corretas e a orientação quanto ao recurso do termômetro também estava muito bem explicada. Ocorre que a grande maioria não leu a embalagem por conta do que haviam visto no comercial. No VT, muito bem produzido, alguém teve a brilhante idéia de colocar o som de um apito parecido com o tipo utilizado nos microondas, no momento em que o pino vermelho subia avisando que o peru estava pronto. O tal apito na realidade não existia. Resultado: centenas de perus queimados e uma tremenda dor de cabeça para a indústria que teve de indenizar os mal orientados compradores.

As empresas estão descobrindo que educando o cliente e o vendedor e, melhorando os manuais, evitarão custos, brigas e desgastes por conta do manuseio errado de equipamentos, aumentarão a vida útil e conseguirão fidelizar o cliente pois, a tão propagada qualidade prometida será mais facilmente percebida pelo comprador do produto.

Mas ai você deve perguntar; – Qual a receita para fazer um bom manual? Primeiro é ouvir o cliente. Depois deve utilizar técnicas o mais visuais que puderem (pra quem não sabe, nossa sociedade é áudio/visual-mandamos e-mail e ligamos pra saber se chegou). As imagens não devem ser desprezadas e o texto precisa ser o mais objetivo possível. Por último é preciso que o cliente teste o manual. Se tudo der certo, o produto estará completo e os problemas mais comuns serão ‘coisas do passado’ e estas histórias relatadas serão lembradas apenas como ‘folclore de profissão’. Por enquanto, a coisa ainda é muito séria. Coloquemos as barbas de molho e os manuais à mesa. É hora de revisar conceitos!

(*) Nomes fictícios.

Os nomes dos clientes e as marcas das empresas citadas neste artigo foram omitidas propositalmente.

Luis Sucupira

Vendas e Marketing

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