O novo sotaque do segmento de duas rodas

O novo sotaque do segmento de duas rodas

Me diga que região é essa que fica lá na ‘caxaprego’(*), depois da ‘baixa da égua’ cheia de ‘sustança’, onde o povo é ‘pai dégua’ e é ‘só mi?’

Este lugar tem 58 milhões de habitantes, 13 milhões de lares, tem cidade que representa o segundo maior PIB agrícola do Brasil; um dos maiores exportadores de frutas do mundo, autossuficiente em combustível, tem os principais destinos turísticos, os dois melhores carnavais de rua do Brasil e algumas das mais belas praias do mundo.

Bom, eliminando Centro-Oeste e Norte ainda restam as regiões Sul e Sudeste. Mas não é nenhuma delas.

‘Boneco’ à parte e sem ser ‘presepeiro’ a região é a Nordeste. Isso. A região que antes era um estorvo para o Brasil, motivo de grande migração para São Paulo e Rio de Janeiro é a que mais cresce no Brasil,  mais consome e que possui a maior frota de motocicletas do país. O índice de venda de motos de grande cilindrada nesta região supera tudo que se pode imaginar em projeção de crescimento. Na projeção, em breve, o Nordeste deverá ser a região que mais comprará motos de grande cilindrada.

‘DIABEÍSSO?’

Recentemente uma matéria veiculada do Jornal Diário do Nordeste divulgou que Fortaleza, Capital do estado do Ceará, possui a terceira maior frota de motos no País, com cerca de 188.500 veículos emplacados, perdendo apenas para São Paulo e Rio de Janeiro, conforme dados do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran). Em todo o Ceará, são mais de 845 mil motocicletas, a maior quantidade do Nordeste.

Nesta conta não está incluída aqui a venda de Cinquentinhas. Se elas forem adicionadas a estatística, o intervalo para o primeiro colocado diminuirá ainda mais e no caso de Fortaleza ela passaria a disputar moto a moto com São Paulo capital.

Quando ampliamos a área geográfica e pegamos o Ceará como referência ele será classificado como tendo a segunda frota do Brasil e será o estado do Nordeste que mais vende motocicletas, à frente inclusive de estados ditos ricos como Bahia e Pernambuco.

E não é só em motos que estes números são superlativos. A maior frota de carros 4×4 está no Nordeste que lá todo mundo chama de Hilux, independente da marca que realmente é.

‘ARROCHANDO O NÓ’

Algumas coisas precisam mudar e preconceitos precisam ser deixados de lado ou simplesmente engolidos e esquecidos. Ainda se pensa, erradamente, que as cidades do interior do Nordeste são carentes de tudo. Sim, ainda existem carências, mas elas estão mais no campo da Saúde e da Administração Pública do que nas áreas onde não se depende delas para poder crescer ou sobreviver.

Uma delas está na forma como os fabricantes vendem motocicletas. Está tudo errado. A forma como o nordestino compra é bem diferente da do sudestino. Começa pela forma como a divulgação é feita. Apenas a Honda tem sua publicidade regionalizada. Regionalizar é vender falando a língua local; é misturar-se ao povo; fazer parte dos seus costumes e festas e, isso a Honda faz muito bem e há anos.

O Brasil não é mais apenas o Sudeste e o Sul do Brasil. O Brasil é o Nordeste também e quem pensa em expandir vai ter que rever conceitos, preconceitos e mudar – inclusive fisicamente.

Engana-se também quem pensa que o Nordeste é fruto apenas da mistura de afrodescentes, portugueses e indígenas. A região é muito marcada pela colonização francesa, holandesa, espanhola, árabe e pasme – inglesa. Desta última resultam algumas expressões bastante interessantes como, por exemplo: ‘ISPILICUTE’ que significa uma pessoa ‘Engraçadinha, divertida, bonita’ e que é originária do inglês “She’s pretty cute”.

Na movimentação interna, muitos nordestinos pegaram o caminho de volta vindo do Sudeste e do Sul (descartando aqueles que o Gugu traz de volta). Outra nova onde de migração está trazendo grande quantidade de gaúchos, paranaenses e catarinenses, além de nisseis para plantar frutas de várias espécies e soja no cerrado. Além destes estão vindo os paulistas que montam empresas e indústrias na Terra de Padim Ciço.

LUGAR ‘ARRETADO’ E BOM PARA SE ‘ESTRIBAR.’

O nordestino é um povo hospitaleiro, que gosta de novidades, viver na rua (são 300 dias de sol por ano), festas, amigos, por cadeira na calçada e acima de tudo – são um povo tradicionalista e conservador principalmente em relação a marcas. Não demora muito para você descobrir por que se fala que “Honda é cheque” (vende fácil), mesmo não sendo ela a melhor moto em todas as categorias. O melhor é que eles sabem disso, mas a tradição da segurança no fornecimento de peças e facilidade de venda faz com que ela continue firme, forte e praticamente inabalável.

As novas marcas que entram no Nordeste do Brasil não tiram vendas da Honda, mas pegam uma parte do mercado que precisa de uma moto barata e/ou que ele possa pagar. E ainda tem aqueles que querem uma moto melhor, mesmo sabendo que ela na é tão “cheque” assim – uma minoria.

A sorte da Honda é que essas novas marcas sempre erram no pós-venda, na preparação do seu pessoal e acabam gerando o que chamamos no Nordeste de “Efeito Sundown” – ou seja – motos baratas, crédito fácil, sem pós-venda e de repente desaparecem deixando seus clientes lutando para mantê-las funcionando. O mesmo acontece com importadores de motos chinesas. Vendem muito, mas esquecem do pós-venda. E como dizem aqui acabam tendo que “rebolar a moto no mato” – que numa tradução livre seria ‘jogar no lixo’.

No segmento de motos grandes (a partir de 650cc), as preferidas pelos nordestinos são a Suzuki, Honda e Kawasaki. A Kasinski, apesar de admirada aqui, ainda sofre com uma imagem deixada pelas primeiras revendas de ser uma moto de manutenção cara e com problemas de fornecimento de peças, mesmo caso das Suzuki na categoria ‘Small Bikes’. A Harley-Davidson tem público fiel apenas na região litorânea.

Recentemente a tradicional vaquejada perde espaço para o MotoCross. É impressionante a quantidade de participantes, e maior ainda a do público interessado neste esporte.

 ‘GUARIBANDO’ A COISA.

Fabricantes, financeiras, empresas de comunicação e autoridades precisam lançar um novo olhar sobre o Nordeste e entender que sem regionalizar as vai ficar mais difícil vender. Um exemplo de uma visão de futuro correta, quanto a essa adequação, é o nome de uma moto BMW, vendida na Europa, batizada de ‘Sertão’.

Os meios de comunicação estão abrindo canais diretos com o Nordeste para não perderem um grande público. Um exemplo disso acontece no Ceará. Uma TV regional – Tv Diário canal 22 – obtém números de audiência que chegam a incomodar a gigante Globo. As pessoas querem saber cada vez mais sobre o que está ao alcance delas, sobre suas comunidades do que sobre o que acontece na Faixa de Gaza ou na Grécia.

Por conta disso o site ‘G1’ abriu editorias e dá destaque a matérias que vem dessa região. Recentemente foi colocada em evidência a aprovação de um cearense para o MIT – consagrada universidade tecnológica americana e uma das cinco melhores do mundo dona de um dos vestibulares mais complicados da Terra.

NA TERRA DO JUMENTO A POTÊNCIA AGORA É MEDIDA EM CAVALOS

O Nordeste que conhecíamos formado por esquálidos, famintos, retirantes, miseráveis e analfabetos está bem diferente.

É agora uma terra de oportunidades em todos os segmentos de negócios. É um povo que gosta de consumir. Quem sabe você não encontra lá aquela oportunidade que você estava atrás?  A receita é simples: lance um novo olhar e vai descobrir.

O Nordeste é um bom lugar para morar, se divertir e, claro, ganhar um bom dinheiro. Basta rever conceitos, preconceitos e falar a língua deles. E se o seu negócio é duas rodas, já está perdendo tempo e dinheiro.

Como dizem por lá: “Se você não se ‘rebolar’, ‘arregalar o olhos’ e ‘arrochar o nó’ caçando ‘galinha-morta’; vai ‘dançar debaixo do boi’, ‘torar dentro’ e acabará ‘liso’ ou quebrando tão forte que vai ‘dar na piçarra’”. Não ‘bote boneco’. E se você não entendeu nada do que eu escrevi em nordestinês tire a roupa da ‘cruzeta’ e vá por lá, ‘coma água’, more na ‘Aldeota’, deixe de ser ‘abestado’, se ‘avexe’, pegue uma ‘carritilha’ e vai descobrir. Um ‘maxurréi’ ‘estribado’ chamado Eike Batista já tá ‘engordando o mocó’ ‘lá nas brenhas’ do Ceará.

Dá licença que é hora de ‘capar o gato’ para dar o ‘grau nas vendas’ e ‘ficar estribado’. ‘Umbó, mah’?

(*)Para facilitar sua vida logo abaixo a tradução de algumas expressões presentes no texto:

  •  ‘Caxaprego’ – Lugar distante
  •  ‘Baixa da égua ’- Lugar distante
  •  ‘Sustança’ – Forte e saudável
  •  ‘Pai dégua’ – Bom demais
  • ‘Só mi?’ – Ótimo
  • ‘Boneco’ – Dependendo como se coloca na frase pode ser muita diversão ou aprontar uma.
  • ‘Presepeiro’ – Brincalhão ou atrapalhado.
  • ‘Diabeísso?’ – Espanto. O mesmo que “O que está havendo?”.
  • ‘Arrochando o nó’ – Pronto para fazer com toda a força.
  • ‘Arretado’- Coisa boa e correta.
  • ‘Estribado’ – Rico.
  • ‘Guaribar’- Arrumar, deixar bonito – upgrade.
  •  ‘Rebolar’ – Jogar, mexer-se no sentido de ir atrás de algo.
  • ‘Galinha-morta’ – Vantagem. O mesmo que “Negócio da China”.
  • ‘Dançar debaixo do boi’ – Situação vexatória.
  • ‘Torar dentro’ – O mesmo que “quebrar no tronco” ou “quebrar na base”.
  • ‘Liso’ – – A pior ofensa para um cearense. É muito mais que uma pessoa sem
  •  dinheiro. O liso está para o cearense assim como o “looser” está para o
  • americano.
  • ‘Dar na piçarra’ – Foi tão fundo que passou do asfalto.
  • ‘Cruzeta’ – Peça de pendurar roupas. Cabide.
  • ‘Comer água’ – Tomar bebida alcoólica.
  •  ‘Aldeota’- – É seguramente o maior bairro informal do Mundo. Os especuladores imobiliários passaram a chamar de Aldeota todo bairro novo.
  •  ‘Abestado’ – Otário.
  • ‘Avexe’ – Apressar-se.
  •  ‘Carritilha’ – No mar é o mesmo que ‘pegar jacaré’
  •  ‘Maxurréi’ – Cara, amigo, ‘ô meu…’
  • ‘Engordando o mocó’ – Ficando rico.
  • ‘Lá nas brenhas’ – Lugar distante e escondido.
  •  ‘Capar o gato’ – Ir embora rápido.
  • ‘Grau nas vendas’ – Melhorar as vendas.
  •  ‘Ficar estribado’ – Ficar rico.
  • ‘Umbó, mah?’ – O mesmo que “Vamos embora, amigo?”.
Visited 1 times, 1 visit(s) today

Luis Sucupira

Editor-Chefe do Portal Você e Sua Moto é Jornalista, escritor, (Casa Amarela – UFC) diretor e roteirista de cinema, tv e vídeo. Colunista de sites Motonline, Motonauta, revista Motoboy Magazine, Pro-Moto.Autor do livro GUIA DO MOTOCICLISTA PRINCIPIANTE (Ed. NovaTerra - RJ - 2014). Organizador e idealizador dos eventos Iguatu Moto Week, Ubajara Indoor, Eusébio Moto Fest. Um apaixonado por motos, história! Motociclista há 36 anos.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *