Legislação faz motos com 50cc deixarem de ser solução urbana e barata

A grande maioria dos motociclistas hoje “cinquentões” começou ao guidão de “cinquentinhas”. Mais do que um jogo de palavras, a realidade do verdadeiro renascimento da moto no final dos anos 1960 e 1970 no Brasil — quando a indústria motociclística japonesa assumiu a posição de liderança do segmento — era feita de pequenas e ágeis motos de 50 cc.

Pensava-se então na moto como objeto de lazer e não mais como nos anos 1950, quando o uso do transporte sobre duas rodas era feito por quem precisava de um veículo mas não tinha dinheiro para ter um carro. A partir de 1976 as motocicletas de 50 cc foram relegadas ao ostracismo com a popularização das 125 cc, cuja maior potência adicionava versatilidade ao  uso, qualificando-as como instrumento de transporte e de trabalho. Assim, as cinquentinhas praticamente desapareceram.

Agora, um fenômeno de poucos anos trouxe progressivamente essas motos de cilindrada mínima à cena. Não nas grandes cidades brasileiras, onde a baixa potência as torna inviáveis, mas em localidades do Brasil afora onde o ritmo do trânsito é menor — assim como o poder aquisitivo.

Conciliando facilidade de uso a um preço baixo, cerca de R$ 3.500 ou até menos, a oferta das 50 cc vinha crescendo. Com Honda e Yamaha, dominadoras das grandes fatias de nosso mercado, fazendo vista grossa às 50 cc, empresas como Dafra, Kasinski, Traxx e outras (em sua maioria de origem chinesa) assumiram a tarefa de abastecer o segmento, e novas marcas nele ingressavam constantemente.

Todavia, o recente e brutal aumento do percentual do IPI que onera motos de fora de Manaus (onde a alíquota do IPI é zero), de 15 para 30%, atingiu em cheio as 50 cc apenas montadas no Brasil, e assim o preço subirá a partir de setembro, quando serão completados 90 dias da publicação da medida.

O governo justifica a ação como medida para proteger a indústria do setor que está baseada na capital do Amazonas. E essa mesma indústria, por meio de sua associação, a Abraciclo, revela que apenas 1,7% do total de motos vendidas no país é de 50cc. Independentemente da motivação real deste inesperado ônus às 50 cc, é apropriado fazer uma leitura sobre este boom das pequenas motos.

Primeiramente, é no mais dinâmico dos mercados do Brasil atualmente, o Nordeste, que as 50 cc encontraram seu habitat ideal. O custo menor veio ao encontro das necessidades da população de baixa renda. Topografia plana e trânsito mais ameno das cidades fizeram o resto. Aliado a tudo isso, uma discutível interpretação de leis fez com que estas 50 cc fossem vendidas alardeando-se uma suposta não obrigatoriedade de CNH para conduzi-las, assim como do emplacamento.

A lei no Brasil determina que qualquer veículo a motor seja conduzido por maior de 18 anos, e sempre devidamente habilitado, sem exceções. No caso das 50 cc que se encaixem na condição de ciclomotores (com restrição de potência e consequentemente de velocidade) haveria a possibilidade de expedição de um documento denominado ACC (Autorização para Condução de Ciclomotores), que, no entanto, é tido como “cabeça de bacalhau”: nunca ninguém viu.

Deixa estar

A razão para que esta tal carteira ACC ser, na prática, inexistente, é que o custo de sua obtenção se equipara ao custo da CNH categoria A, que permite guiar motos de todos os tamanhos e, claro, também ciclomotores.

Quanto ao emplacamento das 50 cc, o CTB (Código de Trânsito Brasileiro) delega aos municípios a função de registro e licenciamento delas, o que, na prática, simplesmente não ocorre, Assim, é cena muito comum especialmente na região Nordeste ver as 50 cc sem placa — e não apenas restritas ao uso urbano, mas também rodando por rodovias, o que certamente não está de acordo com a legislação vigente.

O resumo desse atual momento das 50 cc é: aquilo que poderia ser uma solução ideal, acessível e adequada para o transporte em pequenas e médias cidades, se encaminha para um desfecho onde certamente não será o cidadão a ver seus direitos de escolha respeitados. Tornar mais clara a legislação sobre as questões da permissão de dirigir e necessidade de registro desses veículos é dever do estado, cujo laissez-faire prejudica o cidadão.

Minar o potencial das 50 cc nesta nova fase, onde em vez de brinquedinhos de lazer de uma bem aquinhoada parcela da população — como foram no passado — são recurso de transporte essencial e específico da população de baixa renda, não parece nada apropriado a um país com tamanha carência de transportes públicos direcionados as classes menos abonadas. O contraste dessa restrição às 50 cc com os recentes incentivos concedidos à compra de automóveis é cruel e injustificável.

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Redação Geral

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