Crédito restrito derruba venda de motos. Mas a culpa não é só da crise mundial?

Crédito restrito derruba venda de motos. Mas a culpa não é só da crise mundial?

A ABRACICLO enviou um comunicado à imprensa dando conta de queda, pelo segundo mês consecutivo na venda de motos. Dessa vez a restrição ao crédito por parte das financeiras foi o maior culpado pela queda.

Na realidade, não se pode culpar apenas as financeiras por isso. Desde dezembro do ano passado que as operadoras de crédito sinalizam com medidas mais restritivas, mas ninguém levou muito a sério até que ela chegou e veio de forma muito dura. Poucos entenderam, mas uma parte da causa desse problema é atribuída à forma como andaram vendendo moto.

Eu aprendi que existem dois tipos de venda: a puxada e a empurrada. Agora apareceu mais uma e que está diretamente relacionada à venda de motos e carros – é a chamada venda fabricada. Vou explicar cada uma delas.

Venda ‘fabricada’?

A venda puxada é resultado de várias ações, dentre elas o marketing bem feito, a demanda reprimida de mercado, preços atrativos etc. A venda empurrada é aquela onde, mesmo o cliente não precisando ele acaba comprando, seja por impulso ou por uma grande lábia do vendedor. Por último a venda montada. Esta requer uma explicação um pouco mais detalhada.

Nos últimos anos o mercado de duas rodas cresceu absurdamente a ponto de gerar problemas até de adequação ao cenário urbano das grandes cidades. Este fenômeno atingiu todos os segmentos e todas as cidades, inclusive aquelas onde a bicicleta e o jumento eram o principal meio de transporte. Ocorre que, com a melhoria da economia e a ascensão da classe ‘C’ ao paraíso do consumo também deu início a ‘Revolução das Duas Rodas’.

A demanda excessiva trouxe pra o Brasil os maiores fabricantes de motos do mundo que a todo o momento estão a ameaçar a hegemonia da Honda, a qual luta para manter-se com seus 80% de mercado.  Nesta ‘briga de foice no escuro’ aparecem os players dispostos a quase tudo para vender motos, pois como disse o Tite (do qual sou fã declarado dos seus textos) na sua brilhante análise – “O Brasil é a bola da vez!”. É nesta onda que surfam também aqueles que de certa forma contribuíram para que as financeiras restringissem o crédito.

Sem dinheiro para Cinquentinhas

Começou o ano e já recebemos a notícia de que a maioria dos bancos não pretende mais financiar as cinquentinhas. Para quem não sabe, as motos desta cilindrada, são responsáveis por um volume absurdo de vendas no Nordeste em razão do baixo custo e de uma falha no sistema de municipalização do trânsito brasileiro, que acaba deixando-as no limbo quanto a necessidade de emplacamento e habilitação.

A polêmica é enorme, mas elas seguem andando sem placas e sem habilitação. Há ainda outra explicação: os donos dessas motos, na sua maioria, possuem baixa escolaridade, idade mais elevada e renda limitada e isso tudo faz com que, entre ficar com o jumento ou a bicicleta, ou ainda sofrer o caos do transporte público, prefere utilizar uma cinquentinha.

Mas o problema cinquentinha é a menor das dores de cabeça das financeiras. A inadimplência é o pior deles e ela atinge as motos de 50cc a 250cc de forma cruel e preocupante.

Um pesadelo maior que o da inadimplência?

As revendas precisam vender cada vez mais motos e as opções disponibilizadas para os consumidores são imensas para gostos, bolsos e qualidade. Assim, aqueles que não conseguem vender motos para quem pode pagar acabam caindo na tentação de vender motos para quem nunca vai pagar e isso vale também para carros.

Essa venda fabricada é o pior pesadelo das financeiras. Vender motos para quem não vai pagar e deixar o prejuízo para as financeiras seria o grande ‘pulo do gato’ para aquelas revendas que precisavam vender motos a todo custo. Mas o feitiço não caiu apenas contra o feiticeiro – pois atacou a todo mundo, inclusive as revendas que não adotavam este tipo de prática.  A prática é simples: fabricar cadastros, colocar em nome de laranjas, venderem para quem nunca vai pagar e por aí vai.

Certo dia chegou às minhas mãos uma nota fiscal de 2004 de um moto sem placa. O sujeito queria regularizar uma moto que rodou por quase 10 anos sem nunca ter sido apreendida. Vai entender como e por quê? Mais uma falha do sistema que acaba aumentando o risco da operação de crédito e como conseqüência os juros além de uma maior restrição na liberação de crédito.

É impressionante a quantidade de mandados de busca e apreensão que não são cumpridos no segmento de Duas Rodas e Quatro Rodas, pelo fato de não existir pessoal suficiente para isso. Assim, acabam se beneficiando aqueles que adotam a Lei de Gerson.

Comprar por 100 e vender por 80? Nunca!

Ninguém, no mundo dos negócios, veio ao mundo para comprar por 100 e vender por 80. Assim são as financeiras – elas vendem dinheiro e para ter lucro avaliam risco e risco é igual a juros e esse spread é que faz com que elas ganhem dinheiro por vender dinheiro. Simples assim. Acontece que eles não querem mais emprestar dinheiro a juros baratos por conta de duas coisas bem simples: inadimplência e risco de venda fabricada.

As exigências para se financiar uma moto beiram o exagero e não é sem razão. Já soube de casos onde toda a documentação foi fabricada e que a pessoa jamais iria pagar o bem. Em outro caso o funcionário de campo de uma financeira desconfiou e foi verificar in loco e acabou descobrindo a fraude. Sem generalizar e nem “pintando o bicho em tamanho maior do que já é” vale destacar que é impossível financiar veículos correndo tamanho risco. Há poucos funcionários nas financeiras para fiscalizar a quantidade de fichas que são enviadas diariamente.

A maior parte das aprovações obedece a um ranking de avaliação da revenda, o escore de perfil do cliente e a carteira de inadimplência naquela região. Isso não seria problema se essa avaliação não fosse, como está sendo, cada vez mais dura.

Não está fácil para ninguém vender motos por conta desta restrição ao crédito, a qual eu considero mais como uma ação em defesa própria das financeiras para evitar mais prejuízos do que resquícios de uma crise mundial que não atingiu o Brasil – hoje a 6ª.  economia mundial e em breve a 5ª. à frente da França.

Vender motos sem financiamento? Nem pensar!

Os juros podem ser menores se o risco for baixo e eles já foram mais baratos e a concessão de crédito mais farta e menos exigente para o segmento de Duas Rodas. Agora, por conta de uma inadimplência que bate a casa dos dois dígitos, resultado de dinheiro entregue para pessoas que não poderiam e/ou que não iriam mesmo pagar, todos os revendedores sofrem com isso.

Na aquisição de motocicletas, as modalidades mantiveram praticamente os mesmos índices de 2010. O financiamento lidera as preferências do consumidor com 52%, enquanto o Consórcio ficou com 27%. Vendas à vista de motocicletas representaram 21% das opções. O leasing ficou abaixo de 1% neste segmento.

Vender motos sem poder parcelar é o mesmo que tentar vender eletrodomésticos sem uma linha de crédito direto ao consumidor. É hora, creio eu, que concessionários parem de reclamar das financeiras e busquem resgatar débitos em aberto, reduzindo a inadimplência com foco na baixa dos juros e o conseqüente alívio na pressão sobre a liberação e concessão de crédito.

O que não dá para entender…

Por outro lado, as próprias financeiras que são as maiores prejudicadas, não pedem a colaboração das revendas no sentido de minimizar a inadimplência e até mesmo facilitar o refinanciamento da dívida de clientes que desejam pagar os atrasados, mesmo que o bem esteja sob mandado de busca e apreensão.

Esta incoerência está aliada a outra que considero absurda: um cliente que quita o veículo antecipadamente faz com que a revenda seja avaliada negativamente exatamente por que ele, cliente, abateu os juros e zerou o risco de inadimplência dessa operação. Não deveria ser o contrário? Vai entender…

A conta foi feita. Quem se deu bem, ótimo. Quem conseguiu por questões de ética e valores não entrar nesse esquema acabou sendo respingado pelas conseqüências desastrosas de um problema que não foi causado por ele.

O problema é sério e em curto prazo, ao que tudo indica, não ocorrerão melhoras significativas se fabricantes, concessionárias e financeiras sentarem e montarem uma estratégia de ajuda mútua, pois todos estão perdendo. Sem dinheiro não se vende moto, sem vender moto a concessionária não ganha dinheiro e, sem produção a fábrica acaba tendo que demitir. Perdem todos.

Enxugando o leite derramado…

Quando eu falo de ‘conta cara’, é por que ela envolve também o coitado do consumidor que acaba pagando juros mais altos por erros que poderiam ter sido evitados. É bíblico: “Aprendemos pelo amor ou através da dor!” Mas o ser humano parece que padece do masoquismo crônico de buscar primeiro a dor em vez de avaliar o que pode dar errado. A dor agora é no bolso – parte mais sensível da classe empresarial. Qualquer um pode fazer o que quiser, mas as conseqüências nós não podemos controlar, isso é fato.

A conta dos desajustes nas concessões de crédito para o setor de Duas Rodas chegou à mesa. Agora não é hora de ver quem consumiu o quê para fazer uma conta justa. É hora, simplesmente, de rachar a conta para poder voltar a vender e procurar saber como fazer para que esta conta não fique ainda mais cara.

A lição sabe de cor, só nos resta mesmo é aprender a corrigir, pois este não é um problema causado pelo mundo ou suas crises (mesmo porque nas exportações estamos indo bem), mas é um problema cultural no Brasil e diz respeito ao brasileiro – a tal Lei de Gerson.

Vamos arrumar a casa, por favor. Um cara chamado Mercado, agradece.

Visited 1 times, 1 visit(s) today

Redação Geral

Você e sua moto! Nós amamos motos!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *